Porque os caminhos se alteram

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Luso-Tupi - [des]fenômeno comunicativo


  Algumas dificuldades na comunicação interpessoal têm me deixado inquieto, e me colocam ironicamente a pensar sobre elas. 
  Eu imagino a América pré-colombiana, e em especial a região que ocupa o atual Brasil como formada por sociedades complexas e conflitantes, como eram os índios daqui. 
  Acho muita inocência pensar no índio bom selvagem dos românticos no estilo de Alencar: Eram homens que se colocavam em guerra, enfrentavam problemas para sua subsistência, e faziam uso de uma linguagem complexa que dê conta dos seus fatos diários e dos excepcionais. Certamente, as diversas línguas indígenas são muito bem elaboradas para tratar de seus problemas,como perigos com animais, migração, cultivo de mandioca, curas pajelísticas ou sei lá que tantas outras coisas são necessárias comunicar através dos tempos em sociedades historicamente desenvolvidas em condições tão particulares. 
O último Tamoio (Amoedo, 1883)
 Outra coisa eram os portugueses, com o seu galego dialogando com a Europa, tratando da sua longa história, com seus Camões, suas explorações, ouro e pedras preciosas. Toda essa história vista na escola (por enquanto...) e que de algum modo faz parte de nosso imaginário (ao contrário da história indígena, que parece ter sido sempre como hoje, trancada numa reserva). 
  Não consigo ajuizar valor entre a história europeia e a indígena. Não posso a essa altura acreditar que simplesmente o clima frio faz o homem ser mais engenhoso, desenvolver filosofia e armas, sapatos e cães. São ambas profundas e complexas, mas imensamente distintas. Ai está a grande questão: como podem duas coisas tão diversas se comunicarem? O leitor poderia dizer que são seres humanos e se desenvolvem por caminhos até parecidos, enfrentam algumas problemas gerais e disso da pra sair alguma coisa. Bem, eu não creio que o fato por exemplo de ambos navegarem, uns com a caravela outros com a piroga, resolve muita coisa. 
  As situações originárias são radicalmente distintas, e suas linguas assim as acompanham. Eu vejo este contato como algo quase incomunicável. 
  O leitor certamente indaga: Mas como estamos nós aqui, filhos de mãe índia, com pai de bigodes, tio preto e tudo mais? Certamente o problema da comunicação teve de ser enfrentado.
  E foi, de algum modo.

  Uma solução seria termos antropólogos num exercício de tradução radical no estilo de Quine, buscando adivinhar elocuções verbais, ou algo do gênero.
  Não acho que o português bronco que navegava meses comendo mofo, pegando escorbuto e atirando homens ao mar fosse muito afeito a este exercício delicado. Tampouco o índio, que estava sossegado comendo a mata virgem. 

Formas de um grafismo
rupestre em Minas Gerais
  Podemos pensar, seguindo outra via, que o homem pré-histórico se comunicava de algum modo, mesmo antes de ter desenvolvido suficientemente uma linguagem. Com sua capacidade de vocalização elaborada, podia emitir sons que assemelhassem a animais, ou que se pudesse associar de alguma forma a certos fatos possíveis, ocasionalmente usando recursos pictográficos, etc. 
  Pois me parece que a solução adotada neste choque cultural irresolúvel foi justamente essa: buscar uma primitivização da linguagem aos termos mais simples, que tratem de coisas acessíveis, mesmo que de forma pouco precisa. 
  Esse esforço retrocendente me parece ter consequências até hoje. Vejo pela tradição oralista do país (pois se mal conseguíamos falar, quem dirá escrever), e pelo modo como as pessoas falam por ai. 
  Nós que ouvimos nossas famílias européias falando mais alto, adotamos uma língua próxima do português para falarmos, mas em certos nichos, em bons momentos descontraídos ou mesmo em situações de confronto (como nosso confronto quinhentista) nós falamos mesmo é uma linguagem primitiva com elocuções guturais que se vistas por um observador à distância são incompreensíveis. 
  Por vezes me pego reconhecendo expressões como “ohcarré”, “psal”, “diii”, e é quando parece fazer sentido um pensamento deste gênero. Da mesma forma que reconheço numas vezes, noutras se torna completamente impossível reconhecer certas expressões tão primitivas, com destaque para os casos em que estas se tornam especializadas em certos dialetos.
 /Fim da transmissão (001) 
[acho que vou codificar as cartas]